terça-feira, 31 de maio de 2016

O nosso melancólico adeus para Dilma


A saída da presidente já parece irreversível. Não houve exatamente um golpe de estado, mas este processo está longe de ser correto. Apesar de questionar o impeachment, não tenho nenhuma compaixão por Dilma. Ela causou isso a si mesma. Fez uso de qualquer meio para ser reeleita, quebrou o país para alcançar seu objetivo. Não pensou em como governaria depois, muito menos no bem do Brasil. No entanto, sua saída não é um momento para soltar fogos e fazer festa, e sim de reflexão.

Nos últimos 90 anos tivemos 25 presidentes, apenas 4 eleitos democraticamente terminaram o mandato, já excluindo Dilma. Desde a redemocratização, elegemos 4 líderes e tiramos dois deles (Collor e Rousseff). Sendo que FHC e Lula também responderam a processos de impeachment em seus mandatos.

A nossa despedida é melancólica, pois, por mais que o impeachment esteja previsto na constituição, ele nunca é desejável. Quando um governante é corrupto ele tem de ser deposto, porém, temos que nos envergonhar por tê-lo elegido. A lava-jato e a saída de nossa presidente mostram que falhamos de novo. E se não refletirmos sobre o poder do voto, mais “Dilmas”, “Cunhas” e “Collors” irão voltar. Na verdade, Collor já voltou, é Senador por Alagoas.

Os homens que tiraram Rousseff são acusados de cometer crimes ainda piores do que ela. Obviamente, isso não a inocenta, mas mostra o quão perverso este processo está sendo. Mais da metade dos membros da comissão do impeachment, tanto na câmara dos deputados, quanto dos senadores, sofrem alguma acusação criminal.

Nossa caça a corrupção não pode morrer no impeachment. Como já se viu, o buraco é muito mais embaixo. Nós que somos responsáveis por termos elegido tanto “petralhas”, quanto “golpistas”, além de um congresso podre. E se pararmos de lutar agora, ficará claro como a deposição de Dilma não foi um ato contra a corrupção, e sim um embate de poder entre grupos políticos, onde o povo é a última preocupação.

Democracia sem voto consciente não funciona e por isso estamos falhando a mais de um século. Logo, meu adeus para Dilma é repleto de tristeza, não por ela, mas pela nossa frágil democracia.


Leonardo Teixeira - 31/05/2016

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Referências: 
http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/so-5-presidentes-eleitos-completaram-o-mandato-em-90-anos
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/03/160329_latimes_impeachment_rm 
http://www.bbc.com/portuguese/brasil/2016/05/160509_perfil_senado_impeachment_if_rm

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Qual é a graça?


No último mês de Março, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, em entrevista a um programa matinal da rádio Jovem Pan fez alguns comentários sobre a televisão atual, mais precisamente sobre a Rede Globo, onde trabalhou por muitos anos e foi um dos responsáveis pelo chamado “padrão Globo de qualidade”.


Boni no programa Morning Show da Rádio Jovem Pan.
Um de seus comentários me chamou bastante atenção, no qual ele afirma que o “humor da TV brasileira foi para o espaço” e que o grande problema do programa de Marcelo Adnet é que “ninguém entende” as piadas. Fiquei bastante pensativo depois dessa reportagem... Se o humor da TV brasileira foi para o espaço, isso quer dizer que no passado já tivemos humor de qualidade? Se ninguém entende as piadas de um programa nos moldes do Tá no Ar - A TV na TV, isso quer dizer que as boas piadas nos programas de humor na TV aberta precisam ser mais óbvias?

Possivelmente, para tais afirmativas, Boni tem embasamento, afinal estamos falando de um dos grandes nomes da TV nacional, frequentemente ouvido e respeitado por profissionais da área! Entretanto, se pensarmos com calma, podemos lembrar de controvérsias como a manipulação do debate presidencial de 1989, algo que anos depois foi admitido por ele. Bom, talvez isso seja o suficiente para, apesar de sua experiência e talento, não considerarmos suas afirmativas como verdades inquestionáveis.

Antigos humorísticos da Rede Globo e o mais recente e também extinto Zorra Total.

Procurei algumas coisas dos humorísticos do passado, programas como O Planeta dos Homens, Balança Mais Não Cai, Satiricom, Viva o Gordo, entre outros. É inegável o talento desses que construíram a linguagem do humor televisivo que (pasmem!) é utilizada até os dias atuais.  As mesmas piadas e esquetes são praticamente iguais. Quadros criados por nomes como Jô Soares e Chico Anysio são reproduzidos à exaustão até hoje.  A Praça é Nossa é um bom exemplo de como o mesmo formato pode perdurar na TV sem nenhuma novidade: de 1957 para cá, passagem por várias emissoras e o mesmo conteúdo.


A Praça é Nossa: Nenhuma alteração de formato desde de sua estréia na TV Paulista.
Algo perceptível nesses vídeos antigos é a pobreza de seus roteiros, lotados de estereótipos por todos os lados. A mulher bonita e burra, o gay afetado, o negro malandro e caricato, o pobre ignorante, algumas interpretações políticas e bordões: muitos bordões! Esses tipos sustentaram o humor na TV brasileira ao longo do tempo.

Foi nesse momento que tive um insight e fiz uma conexão entre a fala de Boni e o mais novo bordão reacionário das redes sociais: “o mundo anda muito chato!”

Essa frase tem sido repetida inúmeras vezes sempre que grupos sociais oprimidos não aceitam ser alvo fácil desse tipo de humor ou ataques mais sérios. Em entrevista à revista Playboy, Renato Aragão falou da dificuldade de se fazer humor na atualidade ao aludir que negros e homossexuais, por exemplo, não se ofendiam com determinadas piadas. Já Danilo Gentilli, do SBT, diz que há uma “patrulha do politicamente correto”, organizada, inclusive.

Não há como afirmar se as pessoas não se ofendiam como disse Renato Aragão, mas é certo que a consciência e o empoderamento das minorias têm crescido e tomado corpo e voz. Com isso passou-se a enxergar que nem toda a piada tem graça, uma vez que para fazer rir é necessário subjugar o outro.
A grande pergunta que fica é: o mundo está chato porque oprimir está mais difícil?

Esses humoristas, que tanto têm se queixado da dificuldade de fazer humor, precisam se reinventar. Nós precisamos ser mais educados no que diz respeito à lida com o outro. Perpetuar estereótipos preconceituosos não ajuda em nada, ao contrário, contribui para que sejamos cada vez mais intolerantes.

Pode ser que o Boni tenha razão. Pode ser que as pessoas ainda não entendam o formato do humor do Tá no Ar - A TV na TV, ou do Porta dos Fundos, ou dos programas de humor da extinta MTV Brasil. Mas espero que esse seja o momento onde tomemos a consciência de que podemos rir do que realmente é engraçado, sem precisar apelar para o óbvio e para a ridicularizarão do próximo.

Davi de Oliveira - 25/05/2016

Referências:






terça-feira, 17 de maio de 2016

A história de Gabriela: A coxinha petralha

(Primeira parte do conto, A história de João: O pagador de impostos,
Segunda parte do conto, A história de Lucas: O homem do governo)
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Quando criança, Gabriela fez catequese, odiava Darwin.

Aprendeu evolução natural na escola e passou a odiar as religiões.

Seu pai morreu na cadeia e ela descobriu que a religião podia confortá-la.

Foi reprovada na escola por um professor gay, se tornou homofóbica.

Descobriu que sua melhor amiga era lésbica e mudou seu modo de pensar.

Foi assaltado por um menino negro e virou racista.

Se apaixonou por Ricardo, um negro de origem angolana, e percebeu que racismo não fazia sentido.

Estudou política econômica e descobriu que o Estado estava longe de ser um instrumento para o bem do povo.

Virou liberal radical, contra a presença do governo em qualquer situação.

Seu chefe demitiu funcionários e congelou salários mesmo com aumento dos lucros. Descobriu que o patrão é tão perverso quanto o Estado.

Um equilíbrio entre os dois seria possível?

Gabriela era flamenguista e odiava o Vasco.

Zé Golaço, artilheiro e ídolo rubro-negro foi jogar para os vascaínos por um salário maior.

Deixou de odiar o Vasco e amar cegamente o Flamengo.

Gabi foi petista, até que a lava-jato a impediu. Gabi foi tucana, mas a mesma lava-jato também a impediu. Não foi PMDB porque ninguém é.

Descobriu que PT e PSDB são muito mais parecidos do que ela pensava.

Gabi foi de direita, esquerda, centro, norte e sul.

Até que finalmente aprendeu que os extremos não funcionam.

Também aprendeu que é errado resumir uma pessoa em uma direção, um partido ou um salgadinho.

Gabi passou a se perguntar porque brigamos tanto se todos querem um país melhor, apenas acreditam em métodos diferentes.

Em um protesto, Gabi descobriu que as pessoas estão mais preocupadas em estarem certas e impor sua visão aos outros do que qualquer outra coisa.

Ela descobriu que as pessoas só querem falar, mas não ouvir.

Após 21 anos Gabi desistiu de tentar se encaixar em lados políticos e sociais. Gabi é Gabi.

Gabriela é quem poderíamos ser e quem eu gostaria de me tornar.
-Fim da Trilogia-

Leonardo Teixeira - 17/05/2016

terça-feira, 10 de maio de 2016

A história de Lucas: O homem do governo

(Primeira parte do conto, A história de João: O pagador de impostos)
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Lucas era classe média e tinha um emprego estável. No entanto, aprendeu com a experiência de seu pai que se não pode derrotar seus inimigos deve se unir a eles.

Lucas largou tudo e foi estudar para um concurso público. Passou e ficou nele fazendo exatamente a mesma coisa para sempre.

Mas o para sempre o entediou, ele tinha ambições mais altas.

Com o apoio do Pastor do bairro foi eleito vereador.

Lucas descobriu que a vida de político era ainda melhor que a de um concursado.

Virou deputado estadual. Lembrou da bondade de seu pai João e tentou propor bons projetos para a população.

Todos eles foram barrados.

Lucas finalmente pôde entender que para aprovar projetos era mais importante agradar os outros deputados do que apresentar algo bom.

Resolveu buscar mais poder para aplicar suas ideias concorrendo para deputado federal.

Para ser eleito precisava de dinheiro para a campanha. Uma empreiteira ofereceu o que ele precisava em troca de influência no congresso.

Lucas foi eleito.

Anos depois era hora de tentar a prefeitura, mas não seria fácil. Alguns homens poderosos ofereceram a ele algo que sempre foi e sempre será valioso: votos. Em troca de cargos nas secretárias municipais, Lucas seria o novo prefeito da cidade.

Assim que eleito, percebeu que já não podia fazer mais nada, sua autonomia se foi ao longo dos acordos.

Mas a vida de político ainda era ótima, cheia de glamour, luxo e um ego muito bem alimentado.

Uma década depois, após sujar muito as mãos, agradar muita gente poderosa e encenar muito na frente das câmeras, Lucas se tornou o presidente do seu país.

Tanto dinheiro começou a entrar que ele teve que mandar para a Suíça e registrar imóveis em nome de Laranjas. Lucas cobrava impostos dos outros enquanto escondia o seu, ele agora estava do lado dos “vencedores”.

Um belo dia, quando Lucas já não era mais Lucas, e sim um burocrata que havia esquecido tudo o que um dia sonhou, foi preso e se tornou vergonha nacional.

Lucas foi solto, o povo esqueceu e ele foi eleito Senador.

Foi preso de novo e dessa vez não saiu.

Sempre negou todas as acusações, tudo era calúnia, todo seu dinheiro foi conquistado com muito suor.

Apodreceu na cadeia, morreu rico, envergonhado e não pôde ver sua filha Gabriela crescer.

Lucas são os homens do Governo.
(Última parte do conto, Gabriela: A coxinha petralha)

Leonardo Teixeira - 10/05/2016

 
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